segunda-feira, março 19, 2012

Ao meuPai

Embora não saiba a quem pertence este texto, acho que diz tudo o que eu poderia algum dia escrever sobre essa pessoa que tão importante foi na minha vida, mudando-a completamente para que hoje eu seja o que sou.
Se coloco a foto em que ele está com a minha mãe é porque sei que ele só viveu, realmente, enquanto ele foi viva e sempre se sentia bem apenas quando estavam os dois.


Ser pai é acima de tudo, não esperar recompensas.
Mas ficar feliz caso e quando cheguem.
É saber fazer o necessário por cima e por dentro da incompreensão.
É aprender a tolerância com os demais e exercitar a dura intolerância (mas compreensão) com os próprios erros.


Ser pai é aprender errando, a hora de falar e de calar.
É contentar-se em ser reserva, coadjuvante, deixado para depois.
Mas jamais falar no momento preciso.
É ter a coragem de ir adiante, tanto para a vida quanto para a morte. 
É viver as fraquezas que depois corrigirá no filho, fazendo-se forte em nome dele e de tudo o que terá de viver para compreender e enfrentar. 


Ser pai é aprender a ser contestado mesmo quando no auge da lucidez. 
É esperar. É saber que experiência só adianta para quem a tem, e só se tem vivendo.
Portanto, é aguentar a dor de ver os filhos passarem pelos sofrimentos necessários, buscando protegê-los sem que percebam, para que consigam descobrir os próprios caminhos. 


Ser pai é saber e calar. Fazer e guardar. Dizer e não insistir. Falar e dizer. Dosear e controlar-se. Dirigir sem demonstrar. É ver dor, sofrimento, vício, queda, jamais transferindo aos filhos o que a alma lhe corrói. Ser pai é ser bom sem ser fraco. É jamais transferir aos filhos a quota de sua imperfeição, o seu lado fraco, desvalido e órfão.


Ser pai é aprender a ser ultrapassado, mesmo lutando para se renovar. 
É compreender sem demonstrar, e esperar o tempo de colher, ainda que não seja em vida. 
Ser pai é aprender a sufocar a necessidade de afago e compreensão. Mas ir às lágrimas quando chegam.


Ser pai é saber ir-se apagando à medida em que mais nítido se faz na personalidade do filho, sempre como influência, jamais como imposição.
É saber ser herói na infância, exemplo na juventude e amizade na idade adulta do filho. É saber brincar e zangar-se. É formar sem modelar, ajudar sem cobrar, ensinar sem o demonstrar, sofrer sem contagiar, amar sem receber. 


Ser pai é saber receber raiva, incompreensão, antagonismo, atraso mental, inveja, projecção de sentimentos negativos, ódios passageiros, revolta, desilusão e a tudo responder com capacidade de prosseguir sem ofender; de insistir sem mediação, certeza, porto, balanço, ponte, mão que abre a gaiola, amor que não prende, fundamento, enigma, pacificação. 


Ser pai é atingir o máximo de angústia no máximo de silêncio. O máximo de convivência no máximo de solidão. É, enfim, colher a vitória exactamente quando percebe que o filho a quem ajudou a crescer já, dele, não necessita para viver.


É quem se anula na obra que realizou e sorri, sereno, por tudo haver feito para deixar de ser importante.

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