domingo, outubro 16, 2011

Os professores, por José Luís Peixoto

De vez em quando, há alguém que se lembra de escrever alguma coisa sobre os professores e foi com muita satisfação que li o que José Luís Peixoto escreveu sobre nós.
Recordando no que tinha em mente quando, desde muito jovem, pensava o que queria ser "quando fosse grande", e no que sou hoje, como professora, e por força das circunstâncias, e no que falam de mim, enquanto profissional, pergunto, o que mais querem de nós e qual será o dia em que nos vão olhar como alguém que está a preparar o futuro.
Confuso? 
É que é mesmo essa confusão que vai na cabeça de quem, diariamente, se confronta com...
... alunos que não têm QUALQUER respeito por quem têm à frente;
... pais que não fazem a mínima ideia do que é EDUCAÇÃO, seja a que nível for (sim, podemos falar de vários tipos de Educação...);
... colegas que só pensam na avaliação, nas centésimas que têm a mais ou a menos, no cochicho pelos cantos, nos...
... no sistema burocrático imposto nas escolas, que veio, em tudo, subverter a função do professor;
... diretores que, uns mais, outros menos, pouco querem saber do trabalho dos COLEGAS, e se preocupam apenas em exercer o poder que estupidamente, lhes foi concedido;
... uma ESCOLA que pouco ou nada tem para oferecer a quem continua  a ter o sonho de ensinar as crianças "a pescar", para que, no futuro, tenham uma mesa farta de conhecimentos e ferramentas para a vida que têm de enfrentar.


Um ataque contra os professores é sempre um ataque contra nós próprios, contra o nosso futuro. Resistindo, os professores, pela sua prática, são os guardiões da esperança.

O mundo não nasceu connosco. Essa ligeira ilusão é mais um sinal da imperfeição que nos cobre os sentidos. Chegámos num dia que não recordamos, mas que celebramos anualmente; depois, pouco a pouco, a neblina foi-se desfazendo nos objectos até que, por fim, conseguimos reconhecer-nos ao espelho. Nessa idade, não sabíamos o suficiente para percebermos que não sabíamos nada. Foi então que chegaram os professores. Traziam todo o conhecimento do mundo que nos antecedeu. Lançaram-se na tarefa de nos actualizar com o presente da nossa espécie e da nossa civilização. Essa tarefa, sabemo-lo hoje, é infinita.


O material que é trabalhado pelos professores não pode ser quantificado. Não há números ou casas decimais com suficiente precisão para medi-lo. A falta de quantificação não é culpa dos assuntos inquantificáveis, é culpa do nosso desejo de quantificar tudo. Os professores não vendem o material que trabalham, oferecem-no. Nós, com o tempo, com os anos, com a distância entre nós e nós, somos levados a acreditar que aquilo que os professores nos deram nos pertenceu desde sempre. Mais do que acharmos que esse material é nosso, achamos que nós próprios somos esse material. Por ironia ou capricho, é nesse momento que o trabalho dos professores se efectiva. O trabalho dos professores é a generosidade.
Basta um esforço mínimo da memória, basta um plim pequenino de gratidão para nos apercebermos do quanto devemos aos professores. Devemos-lhes muito daquilo que somos, devemos-lhes muito de tudo. Há algo de definitivo e eterno nessa missão, nesse verbo que é transmitido de geração em geração, ensinado. Com as suas pastas de professores, os seus blazers, os seus Ford Fiesta com cadeirinha para os filhos no banco de trás, os professores de hoje são iguais de ontem. O acto que praticam é igual ao que foi exercido por outros professores, com outros penteados, que existiram há séculos ou há décadas. O conhecimento que enche as páginas dos manuais aumentou e mudou, mas a essência daquilo que os professores fazem mantém-se. Essência, essa palavra que os professores recordam ciclicamente, essa mesma palavra que tendemos a esquecer.
Um ataque contra os professores é sempre um ataque contra nós próprios, contra o nosso futuro. Resistindo, os professores, pela sua prática, são os guardiões da esperança. Vemo-los a dar forma e sentido à esperança de crianças e de jovens, aceitamos essa evidência, mas falhamos perceber que são também eles que mantêm viva a esperança de que todos necessitamos para existir, para respirar, para estarmos vivos. Ai da sociedade que perdeu a esperança. Quem não tem esperança não está vivo. Mesmo que ainda respire, já morreu.
Envergonhem-se aqueles que dizem ter perdido a esperança. Envergonhem-se aqueles que dizem que não vale a pena lutar. Quando as dificuldades são maiores é quando o esforço para ultrapassá-las deve ser mais intenso. Sabemos que estamos aqui, o sangue atravessa-nos o corpo. Nascemos num dia em que quase nos pareceu ter nascido o mundo inteiro. Temos a graça de uma voz, podemos usá-la para exprimir todo o entendimento do que significa estar aqui, nesta posição. Em anos de aulas teóricas, aulas práticas, no laboratório, no ginásio, em visitas de estudo, sumários escritos no quadro no início da aula, os professores ensinaram-nos que existe vida para lá das certezas rígidas, opacas, que nos queiram apresentar. Se desligarmos a televisão por um instante, chegaremos facilmente à conclusão que, como nas aulas de matemática ou de filosofia, não há problemas que disponham de uma única solução. Da mesma maneira, não há fatalidades que não possam ser questionadas. É ao fazê-lo que se pensa e se encontra soluções.
Recusar a educação é recusar o desenvolvimento.
Se nos conseguirem convencer a desistir de deixar um mundo melhor do que aquele que encontrámos, o erro não será tanto daqueles que forem capazes de nos roubar uma aspiração tão fundamental, o erro primeiro será nosso por termos deixado que nos roubem a capacidade de sonhar, a ambição, metade da humanidade que recebemos dos nossos pais e dos nossos avós. Mas espero que não, acredito que não, não esquecemos a lição que aprendemos e que continuamos a aprender todos os dias com os professores. Tenho esperança.
Artigo de José Luís Peixoto, publicado na revista Visão de 13 de Outubro de 2011 (aqui)

2 comentários:

  1. Romicas, adorei e para completar este belo depoimento vou colocar aqui uma homenagem aos professores que complete esta e que penso traduz bem a ESSENCIA de um PROFESSOR. Foi tirado do blog Coração de um professor, escrito por um professor. Visite o blog; gostar´muito tenho certeza;

    PROFESSORES NUNCA MORREM
    Texto de Aluísio Cavalcante Jr.


    Quando o sopro de vida que há em mim
    For viver em outros planos,
    Quando a minha presença se transformar em lembranças,
    Quero que as cinzas do meu coração
    Sejam derramadas em uma escola.



    Se possível, quero que estejam presentes neste momento,
    Os meus amigos, que muito me ensinaram sobre a força dos sonhos.
    Os meus alunos, que souberam me mostrar que esperanças nunca morrem.
    A minha família, onde aprendi as melhores lições sobre o amor.



    Se possível, será uma tarde serena.
    Alguém trará um violino e tocará a minha música preferida:
    “Em algum lugar do passado”.
    Talvez alguns poemas que escrevi possam ser lidos
    (Sem tristeza, mas inundados de verdades),
    E ao som de risos, serão contadas histórias que falem
    Do amor que sonhei e que nunca deixei de acreditar.



    Imagino que possam haver lágrimas.
    Caso elas caiam dos olhos dos que me amaram,
    Que sejam apenas suficientes para molhar a terra
    Onde o meu coração foi semeado,
    E de onde brotarão as sementes dos sonhos
    Que crescerão e darão frutos em outras vidas.
    Não serão colhidas flores para enfeitá-lo,
    Pois as flores deverão permanecer nos jardins
    Para alimentar de vida os passarinhos.



    E ao final da tarde, quando as pessoas se despedirem
    E forem para suas casas,
    Levarão em suas lembranças a certeza:
    Professores são eternos.
    Representam a união de muitos sonhadores do passado,
    E também a inspiração de muitos sonhadores do futuro.
    E viverão para sempre em cada sonho que fizeram crescer.



    Quando o sopro de vida que há em mim
    For viver em outros planos,
    Quando a minha presença se transformar em lembranças,
    Quero que as cinzas do meu coração
    Sejam derramadas em uma escola.
    E que no lugar onde meu coração for semeado,
    Brotem sementes de infinitos sonhos
    Que crescerão e darão frutos em outras vidas.




    ________________________________________________________





    A INSPIRAÇÃO DO TEXTO




    Há em cada aula que leciono,
    um compromisso com a vida, com a esperança,
    com a construção de um mundo melhor.
    Assim quero ser lembrado.
    Compromisso de alguém que sonhou e teve a pretensão
    de inspirar sonhos."

    Beijinhos e não desanime...os bons professores serão eternos no coração dos alunos.
    Emília

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  2. Que lindo, Emília!!
    Muito obrigada, amiga, por estas palavras de incentivo.
    Vou procurar o blog.
    Um grande beijinho

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